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Estados driblam marco de saneamento para manter estatais sem licitação

Interpretação da nova lei por parte de governadores abre brecha para que estatais mantenham serviços sem necessidade de concorrência; governo federal vê risco para ‘o estímulo à concorrência’, enquanto setor privado ameaça ir à Justiça.
| Oton de Oliveira | Ética
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Pilar do marco legal do saneamento, a exigência de licitação para estatais fecharem novos contratos está sendo driblada por uma guerra de interpretações da nova lei. Pelo menos nove Estados – Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima – aprovaram os processos de regionalização dos serviços de água e esgoto numa modalidade que abre brecha à possibilidade de atuação das empresas estaduais públicas sem processo licitatório.


Pilar do marco legal do saneamento, a exigência de licitação para estatais fecharem novos contratos está sendo driblada por uma guerra de interpretações da nova lei. Pelo menos nove Estados – Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima – aprovaram os processos de regionalização dos serviços de água e esgoto numa modalidade que abre brecha à possibilidade de atuação das empresas estaduais públicas sem processo licitatório.

Em vigor há um ano, o novo marco foi pensado para estimular a participação das empresas privadas no setor. A regionalização dos serviços é uma das primeiras etapas para viabilizar esse processo.

A questão está longe de estar pacificada e opõe os agentes do segmento. A lei proibiu estatais do setor de fechar novos contratos sem licitação com os municípios. No entanto, o risco de o veto cair veio quando governos locais passaram a dividir os Estados em blocos de municípios por uma modalidade chamada microrregião, em que deve prevalecer o “interesse comum”. 

A justificativa é que, nesse formato, a lei federal menciona que a titularidade dos serviços é também dos Estados. Com isso, o argumento é de que, sendo a estatal uma empresa do governo estadual, a prestação direta, sem concorrência, seria possível. O setor privado, no entanto, afirma que a interpretação está errada e já cogita acionar a Justiça caso as gestões estaduais avancem com a ideia.

Ao enviar para a Assembleia Legislativa do Amazonas o projeto que cria a microrregião no Estado, o governo Wilson Lima (PSC) afirmou que o texto era necessário para dar maior segurança à prestação de serviços, considerando a existência de “titularidade interfederativa” na microrregião, “o que autoriza a prestação direta dos serviços públicos de saneamento básico pela Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama)”.

A possibilidade também é analisada em Roraima. Para isso, o Estado avalia fazer a transferência acionária da estatal, a Companhia de Água e Esgotos de Roraima (Caer), para a microrregião. À reportagem, o governo local afirmou que a decisão, seja pela privatização ou pela criação de uma empresa do bloco (via transferência da Caer), será do colegiado da microrregião.

A regionalização por meio de microrregiões nos outros Estados não significa que todos entendam, por consequência, que a prestação direta pela estatal, sem concorrência, é uma possibilidade. Por outro lado, a entidade que representa as estatais de saneamento confirmou que essa interpretação da lei é avaliada pela associação. 

Manobra

Especialistas afirmam que a estratégia é uma manobra para Estados manterem as estatais com o monopólio dos serviços, mesmo debaixo de dúvida de que elas possam dar conta das metas de universalização do saneamento, prevista para 2033. Hoje, 16,3% da população não tem fornecimento de água potável e mais da metade não é atendida com tratamento de esgoto.

Um estudo da GO Associados apontou que pelo menos dez companhias públicas de saneamento não atendem a um ou mais critérios exigidos pelo novo marco e pelo decreto que regulamenta a lei. As empresas do Amazonas e de Roraima estão entre elas.

“Isso, de fato, é uma possibilidade jurídica que tem se estudado. Agora, cada Estado tem sua autonomia para decidir não só a microrregião, mas como sua interpretação da lei. A lei é um fato novo, e ela estabelece em um dos seus artigos que o Estado é titular conjuntamente com o município quando há interesse comum e a microrregião. Sendo isso estabelecido, a empresa do Estado pode prestar diretamente”, disse o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Marcus Vinicius Neves.

A Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) afirma que a tese não se sustenta. Uma vez que os municípios que formam a região de interesse comum, e são titulares do serviço junto do Estado, não são sócios da estatal, a delegação dos serviços a essa empresa exige, sim, uma licitação, defende a entidade. “A lei admite a prestação direta dos serviços, isso é fato. Mas ela demanda concorrência quando há concessão do serviço para outro operador”, afirmou o diretor executivo da Abcon, Percy Soares Neto.

No governo federal, o entendimento é que as companhias estaduais não podem prestar os serviços sem licitação. “O MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) não entende ser viável qualquer companhia estadual prestar diretamente à entidade microrregional serviços de saneamento”, afirmou o órgão. “Como é de amplo conhecimento, é uma diretriz do novo marco do saneamento o estímulo à concorrência”, disse a pasta. 

O risco dessa interpretação por parte de governos estaduais já tinha sido alertado pelo especialista em Estruturação e Regulação de Projetos de Infraestrutura, Mauricio Portugal Ribeiro. Para ele, a controvérsia jurídica é resultado de uma redação "ruim" do artigo em questão.

"É uma interpretação agressiva. O dispositivo diz que essa forma de regionalização, a titularidade é dos Estados e municípios. Em tese, a titularidade é do ente regional, sendo assim, não poderia contratar a empresa estatal (diretamente). Mas como o artigo disse que a titularidade é dos Estados e dos municípios - os entes regionais - e isso criou uma brecha para a interpretação de que o ente regional pode contratar com a empresa controlada pelo Estado, com prestação direta", afirmou Ribeiro, para quem é possível que mais cedo ou mais tarde o assunto chegue ao Judiciário.

A reportagem também procurou o governo do Amazonas, que respondeu que “todas as regras definidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento serão devidamente observadas”, e que o trecho da mensagem governamental citada foi alvo de emenda supressiva e não consta do texto final aprovado pela Assembleia. O Estadão então questionou novamente o Estado sobre qual trecho teria sido retirado, já que a afirmação do governador não constava do projeto, mas de uma interpretação da proposta. No entanto, não houve resposta até o fechamento desta edição.

Três perguntas para Marcos Penido, secretário de Meio Ambiente do Estado de SP

1. Como o Estado de SP será dividido para os serviços de saneamento?

O grande mote para que se criasse as regiões foi a questão da sustentabilidade financeira, esse é o segredo do projeto. São quatro unidades regionais, uma delas com os 370 municípios atendidos hoje pela Sabesp

2. Como será o serviço nas unidades não atendidas pela Sabesp?

A estrutura organizacional vai determinar se algum serviço autônomo de algum município bem estruturado vai abarcar outros, ou se vai se fazer nova licitação. O que vai se dar condição é o que hoje não se tem: sustentabilidade financeira cobrando uma tarifa média de todos os municípios, uma tarifa justa e com valor suficiente para fazer frente até 2033 e garantir a universalização. 

3. A Sabesp vai disputar os três blocos onde não presta serviços?

Tudo depende da forma como essas regiões vão se agrupar. A Sabesp poderá, como qualquer empresa do ramo, participar em igualdade de condições. Não existe preferência.