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Depressão é falta de Deus?

Ateístas ouvem absurdos e encaram preconceito.
| Oton de Oliveira | Comportamento
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No início de junho, Universa conversou com mulheres que não revelam sua fé no trabalho para evitar o preconceito religioso. Entre as centenas de comentários no post no Instagram, muitas leitoras atentaram para o fato de que quem não tem nenhuma religião também sofre ataques, justamente por não professar nenhuma fé. A criadora de conteúdo Tathiana Nunes sabe bem: já foi chamada de satanista só porque falou da sua falta de fé no sobrenatural. Já a modelo Letícia Linper fala que frequentemente ouve que é uma pessoa infeliz por não acreditar em Deus. E a modelista Beatriz Barros escuta que, pelo mesmo motivo, "vai arder no inferno".


No início de junho, Universa conversou com mulheres que não revelam sua fé no trabalho para evitar o preconceito religioso. Entre as centenas de comentários no post no Instagram, muitas leitoras atentaram para o fato de que quem não tem nenhuma religião também sofre ataques, justamente por não professar nenhuma fé. A criadora de conteúdo Tathiana Nunes sabe bem: já foi chamada de satanista só porque falou da sua falta de fé no sobrenatural. Já a modelo Letícia Linper fala que frequentemente ouve que é uma pessoa infeliz por não acreditar em Deus. E a modelista Beatriz Barros escuta que, pelo mesmo motivo, "vai arder no inferno".

Em uma pesquisa feita pelo Instituto Rosa Luxemburgo e Fundação Perseu Abramo, em 2008, 42% dos brasileiros disseram sentir aversão aos ateus (17% "ódio/repulsa", e 25% "antipatia"). O outro grupo que tem rejeição similar é a dos usuários de drogas, que também são alvo de "repulsa ou ódio" de 17%, e de "antipatia" por 24%.

Outra pesquisa, do Datafolha, publicada em 2020, mostra que 1% dos brasileiros são ateus, e 10% não têm religião nenhuma. Católicos e evangélicos são a maioria, com 50% e 31% respectivamente. A seguir, quatro mulheres contam como é fazer parte dessa minoria:

"Meu marido foi assassinado e ouvi que foi porque não tinha fé"

A blogueira Thatiana Nunes é ateia: "Pessoas falam que preciso sofrer uma catástrofe para sentir o poder de Deus"

"Já fui coroinha, catequizada, vivi a rotina da igreja. Amo os ritos religiosos, o misticismo e todo acolhimento psicológico que as religiões dão. Para muita gente, elas servem para a esperança não se perder. Mas me entendi ateia durante o processo de adoecimento da minha mãe, quando eu tinha por volta de 19 anos. Minha irmã ficava o tempo todo rezando e eu pensava 'e a parte prática para amenizar a dor da minha mãe?'. Aceitei ali que não tinha fé. Minha mãe era muito católica e morreu de câncer, sem saber da minha decisão.

Contei para meu pai, que sempre teve muita fé, e ele falou que não tinha sobre o que opinar. Minha avó que foi o grande problema. Toda semana, falava que eu deveria ir à missa, e reclamou muito porque minha filha, de 17 anos, não quis fazer catequese.

"Por não acreditar em nada, as pessoas acham que preciso ser salva, ou que sou satânica, ou ainda que preciso sofrer uma catástrofe para sentir o poder de Deus. Se fosse pela dor, eu seria uma pessoa devota. Já sofri uma das piores catástrofes da minha vida, que foi ver a pessoa que amo morrer."

Meu marido, pai da minha filha, foi assassinado por dois assaltantes na minha frente, quando eu tinha 29 anos. Naquela época, ouvi de várias pessoas que tudo aquilo aconteceu porque eu não tinha fé. Se foi por isso, então por que eu não morri no lugar dele? Ele era uma pessoa de fé. Tanto que estávamos indo à missa.

A religião em si — e não estou falando da fé — cria uma espécie de cabresto para que as pessoas de fora sejam vistas como antagonistas. Imagine se eu chegar na igreja para tentar 'evangelizar' alguém para o ateísmo. Isso vira um preconceito religioso. O contrário nem nome tem." Thatiana Nunes, 42 anos, blogueira, de Santo André (SP)

"É comum tentarem me converter"

"Sou ateia e cansei de ouvir que eu era uma pessoa ruim, infeliz, uma má influência. Parece que existe uma resistência em entender o que é o ateísmo, e as pessoas julgam com o que acham."

A atriz e modelo Letícia Linper frequentou a igreja católica antes de se identificar com o ateísmo

Minha família sempre foi muito católica, fervorosa, e eu participava de todas as atividades da igreja. Aos 16 anos, estudei num convento por quatro meses, em Curitiba, e lá dentro percebi que não era aquilo que me trazia completude. Estar lá me mostrou que nada daquilo fazia sentido. Decidi sair.

Não foi uma decisão tomada de uma hora para outra, e a reação da família foi complicada. Cheguei a pensar em reconsiderar, porque ouvi comentários insensíveis, e senti uma certa exclusão da família e de outras pessoas ao meu redor. Mas sou mais feliz agora podendo viver a minha verdade, sem carregar o peso da expectativa que as pessoas têm sobre mim.

 

"Não costumo dizer diretamente que sou ateia porque as pessoas ficam em choque, mas dou indícios de que não sou religiosa nem estou interessada em conhecer alguma religião"

 

Uma vez, fui chamada para cobrir uma licença-maternidade numa empresa, e fiquei próxima à pessoa que me treinava para a vaga. Mas ela era muito católica, e quando revelei sobre minha opção, ela não me olhou mais direito, e começou a faltar o respeito. Nesse lugar tinha uma estátua de uma santa na entrada e todo dia as pessoas faziam o sinal da cruz. Menos eu. Uma vez perguntaram por que eu não tinha respeito por aquela imagem. E cadê a parte que a outra pessoa respeita meu direito de não pertencer àquele grupo?

É comum tentarem me converter. Cada pessoa acha que sua religião é a certa. Nos almoços e reuniões de trabalho isso acontece sempre." Letícia Linper, 18, atriz e modelo, de Santa Helena (PR)

"Ouvi que vamos arder no inferno"

A modelista Beatriz da Silva Barros diz que evita falar sobre o ateísmo para não ter chateações

"Frequentei a igreja católica na infância porque uma tia me obrigava. Meus pais e irmãos nunca foram católicos praticantes. Aos 20, conheci o ateísmo através de amigos e, como sempre tive muitas dúvidas sobre a existência de algo sobrenatural, me identifiquei."

Quando comecei a falar sobre isso, as pessoas me olharam como se eu tivesse matado alguém. Não foi fácil. Há muitos estigmas associados ao ateísmo e o Brasil é um país religioso e preconceituoso. Sempre fui uma pessoa reservada e de poucos amigos, e mesmo assim encontrei ainda muita resistência entre eles, o que não esperava.

Já ouvi que ateus são pessoas que só sabem fazer o mal, que a gente tem que dobrar os joelhos e rezar para salvar nossas almas, que tudo o que temos foi Deus que nos deu e, é claro, que vamos arder no inferno. Por causa disso, entendi que deveria esconder minha escolha para evitar chateações.

 

"Respeito todo mundo, me considero uma pessoa legal com todos, mas quando é minha vez de ser respeitada, todos acham que devem pisar em mim"

 

Nem por um segundo busco conforto em religião, em fé. Acho que deve ser um consolo, para quem tem fé, acreditar que tudo vai ficar bem, mas comigo não acontece assim. Recentemente, passamos por um momento difícil na família e fiz de tudo para resolver. Quando se trata de uma situação que está totalmente fora do controle como morte, procuro lidar da melhor forma, vou a um psicólogo que me ajude a lidar com tudo." Beatriz da Silva Barros, 30 anos, modelista, de São Paulo (SP)

 

"Tive depressão e, por ser agnóstica, falaram que era falta de Deus"

Por ser agnóstica, a professora Andréa Julião diz que frequentemente as pessoas tentam convertê-la

Diferentemente do ateu, eu sou agnóstica teísta: acredito que exista alguma divindade, alguma força que talvez não seja uma personificação de algo como a maioria das religiões faz. Mas respeito a religiosidade das pessoas.

Sou batizada na igreja católica e fiz a primeira comunhão, porém me incomoda a questão de existir um lugar, uma norma que, acredito, limita as pessoas, e passei a buscar outras religiões para ver se eu conseguia me encontrar.

Já fui a algumas igrejas evangélicas, frequentei o budismo, participei de algumas sessões de candomblé, estudei wicca, e não consegui me identificar com nenhuma das religiões. Acho que a forma como querem provar a existência de um Deus não é legítima.

"Foi uma depressão que me levou a tentar me encontrar religiosamente. Naquela época, entre os 20 e 30 anos, as pessoas falavam que era falta de Deus, me mandavam rezar. Essa busca só serviu para mostrar que não é a religião ou um Deus que iria me fazer feliz, e sim a minha capacidade de buscar a felicidade."

Minha família, que é muito católica, sabe das minhas escolhas, mas mesmo assim minha mãe manda mensagem sobre Deus e Nossa Senhora, e esse tipo de coisa me incomoda. Acho falta de respeito as pessoas tentarem fazer você seguir a religião delas. A sensação é a de que eu tento respeitar as pessoas e elas nunca me respeitam.

Trabalhei com uma amiga evangélica e nos respeitávamos enquanto eu ficava calada. De uns dois anos para cá comecei a mostrar o que realmente acredito, e senti um certo distanciamento dela. Ela falava um versículo bíblico e eu não podia discordar.

Você começa a rebater ideias com argumentos científicos e as pessoas acham ruim porque, no final das contas, elas querem dar um título a uma divindade, e para mim isso não faz sentido. O mais comum é as pessoas quererem que você aceite o que elas estão dizendo.

Acredito muito que é válido todo tipo de fé, quando ela está para o bem. Posso querer personificar vários deuses, mas se não souber o que quero, morrerei acreditando em algo que não bastará." Andréa Julião Ribeiro Sales, 40, professora, de Caruaru (PE)